A Petrobras criou uma rede de empresas para
executar obras de grande porte sem se submeter a fiscalização mais rigorosa de
órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU). As chamadas
sociedades de propósito específico (SPEs) são um instrumento legal, existente
para captação de recursos no mercado por meio de empresas independentes da
companhia. Auditoria do TCU, porém, alerta que o modelo adotado pela estatal
pode criar precedentes e resultar numa “expansão descontrolada”.
Demonstrações
contábeis a partir de 2005 mostram que a Petrobras já constituiu 24 SPEs, com
investimentos de pelo menos US$ 21,9 bilhões, ou R$ 59 bilhões — muitos deles
para obras como gasodutos, plataformas, refinarias e transporte de óleo.
Auditoria sigilosa apontou que em uma das SPEs, para construir a rede de
gasodutos Gasene, há indícios de superfaturamento de até 1.800%, como revelou O
GLOBO.
Ao lançar mão
de uma empresa privada a estatal se vê livre do escrutínio a que é submetido o
restante do governo federal. Nos debates sobre a fiscalização dos gastos
públicos, a Petrobras costuma argumentar que os seus negócios têm caráter
privado e, por isso, não devem ser submetidos ao crivo de órgãos como o TCU e a
Controladoria-Geral da União (CGU).
A Petrobras só
começou a informar detalhes contábeis das SPEs em 2005, depois que a Comissão
de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula o mercado de capitais, editou
uma norma com essa determinação para empresas SAs. Parte desses projetos da
estatal foi estruturada no fim da década de 90 e no início dos anos 2000, nos
governos de Fernando Henrique Cardoso. A prática prosseguiu nas gestões de Lula
e Dilma Rousseff. Cinco SPEs permanecem independentes da estrutura formal da
estatal e ainda não foram incorporadas a subsidiárias.
Investigações
recentes em parte desses negócios, porém, mostram o total controle por parte da
Petrobras e o emprego de recursos públicos nas obras. É o caso da rede de
gasodutos Gasene, entre Rio de Janeiro e Bahia, construída a partir da
constituição de uma SPE e incorporada por uma subsidiária da estatal — a
Transportadora Associada de Gás (TAG) — em janeiro de 2012. O BNDES confirmou
ao GLOBO que é a TAG quem paga o financiamento feito para a construção do
gasoduto. Os recursos empregados são da ordem de R$ 4,5 bilhões.
A ofensiva da
Petrobras sobre o TCU, no caso do Gasene, consistiu em reforçar o caráter
privado do negócio. No curso da auditoria que mostrou uma série de
irregularidades no empreendimento, o ex-presidente da Petrobras José Sérgio
Gabrielli afirmou que “os recursos alocados para o investimento são
exclusivamente privados, não havendo qualquer participação de recursos da
Petrobras.”
O
ex-presidente da empresa contratada para fazer o gasoduto, que já admitiu ter
sido apenas um “preposto” na função, usou um argumento na mesma direção: “A
transportadora não tem de se submeter aos regramentos legais da administração
pública, por se tratar de entidade de direito privado”, afirmou, ao ser cobrado
sobre a falta de informações sobre os preços usados nas obras. Ele também
argumentou ao TCU, em relação à cobrança de explicações sobre um
superfaturamento superior a 1.800% em determinados trechos da obra, que não
havia a obrigação de apresentar as justificativas previstas na Lei Orçamentária
de 2008. Todos os argumentos, até agora, foram rejeitados pela equipe técnica
do tribunal.
No documento
da Petrobras que subsidiou a decisão de se criar a SPE dos gasodutos, os
gerentes de três áreas da estatal argumentam que o modelo é o mais apropriado
“em razão das restrições de orçamento de investimentos” e devido às “metas de
resultado primário”. A empresa criada tem por objetivo captar recursos para a
obra, mas tem todas as garantias da Petrobras para o investimento, inclusive a
obrigação de a estatal quitar empréstimos tomados em caso de insucesso no
projeto.
**Fonte: Jornal O Globo
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