Aprovada na
quarta-feira (26) pela Câmara dos Deputados, a reserva de vagas para candidatos
negros em concursos públicos é motivo de polêmica. Especialistas ouvidos pela
Agência Brasil divergem quanto à pertinência e aos impactos da nova legislação.
O Projeto de Lei (PL) 6.783/13 prevê a destinação de 20% das vagas em concursos
da administração pública federal, autarquias, sociedades de economia mista e
fundações e empresas públicas, por um período de dez anos. Encaminhada pelo
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e pela Secretaria de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a proposta ainda deverá ser votada
pelo Senado.
O advogado Max
Kolbe, especialista em concursos e membro da Comissão de Fiscalização da Ordem
dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), é contrário à aprovação
da lei e acredita que a proposta é prejudicial à boa prestação dos serviços
públicos. “Após a Constituição de 1988, houve a transição para o estado
gerencial e surgiu a figura do concurso público. [O concurso foi instituído]
para aprovar o candidato mais bem qualificado a exercer o serviço público. Isso
é meritocracia”, argumenta ele, que também critica o critério para ingresso
pelo sistema de cotas.
O projeto de
lei determina que poderão concorrer às vagas reservadas os que se
autodeclararem pretos ou pardos no ato de inscrição, conforme o quesito cor ou
raça usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O texto
também prevê que, na hipótese de declaração falsa, o candidato será eliminado
do concurso ou, se já tiver sido nomeado, terá sua admissão anulada. Para
Kolbe, a regra traz complicações em função do grande número de brasileiros que
podem se declarar pardos. “O Brasil inteiro é multirracial, toda a população brasileira
poderá fazer jus à lei de cotas. Se o Brasil inteiro vai poder concorrer, vai
virar um tiro pela culatra”, prevê.
No entanto,
Alexandre Crispi, diretor e professor do
Alub, grupo educacional no Distrito Federal que prepara candidatos para o
vestibular e concursos públicos, não vê prejuízos à meritocracia e prestação
dos serviços públicos e cita o sucesso do sistema de cotas na Universidade
Brasília (UnB) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pioneiras ao
adotá-lo no início dos anos 2000 antes que se tornasse obrigatório. “Não é um
argumento forte, pois ele [candidato que entrará pelo sistema de cotas] vai fazer
a mesma prova. Vai concorrer nas mesmas condições. Na UnB, perceberam que a
nota [de corte] em alguns cursos pelo sistema de cotas chegava a ser maior [do
que no sistema universal]. Não caiu a qualidade dos cursos”, defende.
Crispi diz
ainda que é preciso acompanhar a aplicação da lei, se o texto passar pelo
Senado e for à sanção presidencial, para observar seus impactos sobre os
concursos públicos. “Acredito que não haverá grande diferença, até porque a
proporção determinada é uma porcentagem baixa. Mas não tem como, a concorrência
vai subir um pouco mais. É como aconteceu nas universidades. Mas vai ser
esperado um prazo de dez anos [período de vigência da lei] para discutir isso.
Vamos verificar como vai ser, se terá os mesmos bons resultados que nas
universidades públicas”, diz. Para ele, o mecanismo tornou o ensino público
superior mais igualitário. “Infelizmente, na grande maioria estatística [os
negros] vieram de colégios da rede pública. Também estão há menos de 100 anos
com acesso à educação”, avalia.
A Seppir e o
Ministério do Planejamento argumentam que há uma discrepância entre o número de
negros na população geral, de aproximadamente 50,7%, e a proporção entre os
servidores públicos, de 30%, e que o objetivo da lei é corrigir a distorção. O
frei David Raimundo dos Santos, presidente da Educafro, organização não
governamental (ONG) que acompanhou as discussões para redação da proposta de
lei, destacou que a entidade defendia uma reserva maior, de 30% das vagas de
concursos, que os índios também fossem contemplados e a reserva de vagas para
cargos de confiança. Ele destacou, no entanto, que a opção será apoiá-la em seu
formato atual, já que, se for alterada no Senado, a matéria terá de voltar à
Câmara dos Deputados.
Para o frei
David dos Santos, a aprovação na Câmara foi um “grande avanço”. “O que vai
mudar a vida dos negros e integrá-los plenamente à sociedade é o seu
empoderamento financeiro. Estamos na universidade. Queremos cotas para garantir
[a presença da população negra] em todos os escalões do serviço público, até
para ajudá-lo a melhorar. As cotas vêm consertar o ontem”, declarou.
**Fonte:
Agência Brasil
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